"NEM TUDO QUE SE ENFRENTA PODE SER MODIFICADO, MAS NADA PODE SER MODIFICADO ATÉ QUE SEJA ENFRENTADO"

Pesquisar este blog

terça-feira, 17 de abril de 2012

COMPLEXO CELULOSE-PAPEL: a quem beneficia?1











Rosemeire A. Almeida2. Profa. Dra. dos cursos da graduação e pós em Geografia da UFMS/Campus de Três Lagoas. Autora do livro “ (Re)criação do campesinato, identidade
e distinção”, pela editora Unesp, dentre outras publicações.



Analisar criticamente as mudanças que ocorrem nos últimos anos na microrregião de Três Lagoas/MS tem se tornado um imperativo, em especial àqueles que vivem e pesquisam esta realidade.
Portanto, é deste lugar social que escrevo e, mais, a motivação não advém do clamor dos holofotes,muito menos de um exercício vocacional de ser do grupo dos “contra”. Antes não fosse necessário o embate. Mas a cada dia cresce a compreensão de que o caminho do “progresso” e “desenvolvimento”adotado aqui é um equívoco, logo é urgente democratizar o debate do futuro da região.
Celso Furtado (1998) já alertava que o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria, pois “o custo em termos de depredação do mundo físico desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização”. Para o autor, desenvolvimento econômico é um mito cuja funcionalidade é criar um imaginário coletivo centrado na ideia de que todos serão beneficiados pelo desenvolvimento do capital, situação que leva os povos a aceitar sacrifícios que incluem formas de dependência e de destruição do meio físico.
Atualmente há autores como Sachs (2000) que ressaltam como positiva a não generalização do exemplo industrial. Em suas palavras as chamadas sociedades “avançadas” em breve serão consideradas aberrações, uma vez que para seguir o modelo “seriam hoje necessários uns cinco ou seis planetas para serem usados como minas, ou como depósito de lixo”.
Guardadas essas prerrogativas, voltemos nosso olhar para o caso da eucaliptização da
microrregião de Três Lagoas. Pois bem, a expansão do eucalipto nesta região vem acompanhada de um discurso de que temos vocação para o eucalipto, situação que se “descobriu” a partir do zoneamento econômico feito pelo Estado.
Ora, primeiramente, é preciso lembrar que se há vocação é para o cerrado. Mas central é dizer que esta explicação é parcial, nela falta agregar questões de fundo como a marcha predatória deste tipo de atividade que se desloca pelo território brasileiro em busca de espaços menos conflitivos, uma vez que por onde passa deixa impactos em virtude do modelo de larga escala, mecanizado e centralizado como ocorreu no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Bahia.
Apesar disso, o BNDES é financiador e empreendedor do setor florestal. Sem sua generosa participação o “sucesso” do complexo celulose-papel não se viabilizaria. A velocidade do processo também é temerária. Vejamos uma comparação a título de identificação de prioridades: enquanto a Reforma Agrária no MS conseguiu em 26 anos conquistar 686.261,71 ha, em quatro anos um dos complexos já detém em terras próprias e arrendadas algo entorno de 400.000 ha.



Temos o caso recente da fazenda Cisalpina arrendada para plantio de eucalipto. Esta fazenda representou uma luta histórica dos sem-terra da região, chegou a ser considerada improdutiva, mas, por erros supostamente técnicos por parte do Estado, os trabalhadores perderam. Esta situação pode ser termômetro de que o discurso do setor florestal de recuperação de terras degradadas tira de foco o fato
de que uma parte considerável dessas terras é improdutiva. E, portanto, o caminho poderia ser desapropriação por interesse social, dando espaço para a construção de um modelo centrado no uso de pouco capital, pouca terra e pouca energia inanimada. Porém, a defesa deste modelo é ignorada pelo establishment ou, então, desperta risos.
Outra situação emblemática é o Parque Municipal do Pombo que continua sem plano de manejo, planejamento este que poderia delimitar uma área de amortecimento. Assistimos o “futuro entregue”, pois as fazendas existentes nas proximidades, em grande maioria estão sendo arrendadas para o eucalipto antes do plano de manejo sair do papel, significando, por exemplo, a contaminação dos recursos hídricos deste parque pelas aplicações de agrotóxicos nos eucaliptais.
É imperativo destacar que o principio básico da monocultura é a simplificação do ambiente. A questão da escala é apenas o aspecto visível de sua sustentação econômica – e o mais grave, e é justamente por causa desta lógica expansível que é fundamental defender o limite de cultivo. E, mais, defender um zoneamento que ouça os pesquisadores e o povo no campo e na cidade no sentido de estabelecer limites, indicando onde se deve recuperar o cerrado para garantir no futuro a sobrevivência
da região em termos das funções importantes que a vegetação nativa cumpre.
Sabe-se que aos questionadores do “status quo”, recai sempre o ônus de ter que apresentar saídas. É a velha armadilha de que para criticar é necessário ter alternativa pronta. Ora, o início da construção do novo vem da compreensão daquilo que não queremos. Então, o exercício do questionamento é parte do processo. Todavia, mesmo sem ter a solução concluída, há caminhos – que também não são novos - menos impactantes e que carecem de apoio. Um deles é a implantação da Reforma Agrária e a implementação da Agricultura Familiar. Digo isso porque os camponeses são
capazes de produzir comida saudável e este reconhecimento hoje não é apenas dos intelectuais próximos à causa ou da Via Campesina, mas dos governos capitalistas centrais, e é por isso que estão vivendo a recamponização na Europa.
Não me refiro a esse modelo de contrarreforma feito no Brasil que beira o desrespeito à condição humana. Refiro-me a um plano setorial estratégico pautado na compra e doação simultânea de comida e na manutenção de estoques reguladores - ambas as medidas gerenciadas pelo Estado.
Esta alternativa claramente não é a adotada pelo Estado, já que, por exemplo, em 2011a Eldorado Florestal acessou junto ao BNDES R$ 2,7 Bilhões, enquanto o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar/PAA contou com orçamento anual de R$ 502,57 Milhões. E quando analisamos os dados oficiais do PAA para o MS a situação não deixa dúvidas sobre a crise do programa. A participação do Estado ficou em 2% do montante nacional, e no caso dos municípios da microrregião de Três Lagoas, sequer um centavo foi gerado no PAA. Em relação ao Programa Nacional de Alimentação
Escolar/PNAE, que obriga o uso de no mínimo 30% dos recursos destinados à merenda escolar na aquisição de produtos da agricultura familiar, não é diferente. O município não conseguiu utilizar os recursos como prevê a Lei - segundo informações do CMDR. E o ônus tem recaído sobre os camponeses, na costumeira tradição de afirmar que nesta região os pequenos não produzem ou que a terra é estéril. É salutar um olhar clínico no sentido de entender os gargalos, pois caminhamos a passos
largos para a sobreposição de um uso da terra (o eucalipto) em relação a outros modelos.
Outra questão que ajuda o discurso do desenvolvimento, é que o complexo celulose-papel é gerador de riqueza, o que produz uma percepção que molda e conforta a sociedade, mas essa riqueza é concentrada. Obviamente, há sobras, porém, elas não são a lógica do sistema. A lógica é generalizar os passivos ambientais e os problemas advindos do crescimento acelerado da cidade. Daí a necessidade de organização da sociedade, e de um estado regulador e fiscalizador.
Neste caminho de implantação do complexo celulose-papel se tem construído um discurso por parte das empresas pautado na naturalização do processo e o alvo tem sido a educação das crianças,via apoio do Estado por meio das secretarias municipais de educação. Esta é uma forma de o complexo celulose-papel moldar uma “cultura do eucalipto” através de ações construindo ou invertendo conceitos.
Alguns exemplos bem ilustrativos: o conceito de monocultura substituído por floresta; o corte mecanizado do eucalipto virou colheita (quase uma reserva extrativista); fábrica é site; problemas urbanos são a “dor do crescimento”, etc.
A introdução desta linguagem nada tem de neutra, há uma intencionalidade. São estratégias que buscam biologizar as mudanças que estão sendo introduzidas no nosso cotidiano, e este imaginário cria uma situação de conformidade porque na biologia crescimento e desenvolvimento são processos naturais. Então, naturalmente ninguém pode estar contra o desenvolvimento/progresso. Mas não é este o caso, o que acontece aqui nada tem de natural, é doutrina econômica cujo centro motivador é o
mercado capitalista e precisa de fiscalização e limite. O mesmo vai ocorrer com o evento “Três Lagoas Florestal” – que será realizado de 10 a 13/04/2012 em Três Lagoas, pois o objetivo maior é indicar à sociedade que esse modelo é o símbolo do progresso, e isso se mostra no capitalismo por meio dos ícones da riqueza, dos números astronômicos, das vantagens. Mas quando olhamos os patrocinadores
e expositores do evento temos uma ideia aproximada de que se trata de uma parceria estadoempresas-consultores-fornecedores de insumos e tecnologia-instituições de capacitação profissional.
Enfim, são estes os interessados e beneficiados do negócio.
Estas questões são parte de um pacote em que o setor aparece como “verde”, logo como
“solução” para a crise climática e ambiental. Este discurso tenta agora se aproximar da “Rio+20”(prevista para junho de 2012), partindo da prerrogativa de que as plantações de eucalipto oferecem serviços ambientais”. O mais cobiçado é o mercado do “crédito de carbono”, ou seja, a venda da ideia de que suas plantações absorvem carbono – mesmo sendo as monoculturas alvo de um manejo agrícola convencional com aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Ou seja, nesta conta da “economia verde”, não aparece o fato do complexo gastar enormes quantidades de combustíveis fósseis em toda sua cadeia produtiva, desde a produção de máquinas e tecnologia na Europa, sua exportação e, mais tarde, a importação de celulose para um consumo excessivo. A proposta de economia verde, nesse sentido, é acumular mais capital, e não repensar o modelo de produção e consumo responsável pela crise climática.
Quando se analisa os capitais por trás destas empresas, nota-se que não se trata apenas de investimento em uma atividade produtiva. É também investimento financeiro de pessoas e grupos interessados em maximizar lucros, inclusive no mercado especulativo. Exemplar desta situação foi o caso da Aracruz que perdeu R$ 2 bilhões na crise financeira de 2008 com a desvalorização do dólar sobre vendas futuras. Esta financeirização da economia e da natureza tem sido a pedra de toque das recentes quebras do capitalismo. Isso leva à pergunta: quem de fato se beneficia da expansão do eucalipto?
Neste tipo de negócio temos que pensar que estamos lidando com duas atividades impactantes,uma é a monocultura e a outra é a fábrica que extrai a celulose e faz o branqueamento. O primeiro caso é visível e por isso alvo de amplas discussões, mas a fábrica em si, uma vez aprovado o RIMA, cai no esquecimento até que alguma situação escape ao controle – como foi o caso do mau cheiro em Três Lagoas em 2009. Ou seja, o monitoramento da fábrica cabe aos de “dentro”. O que conhecemos hoje sobre o ar, o solo, a água, o tratamento dos efluentes oriundos do processo de branqueamento da
celulose? Quase nada. Inclusive, em outros Estados, as informações também são escassas. O que sabemos é que nos países chamados “desenvolvidos” do Norte, com um controle ambiental bastante rigoroso, fábricas de celulose são mal vistas por seus graves impactos ambientais e, portanto, as empresas de lá têm transferido suas fábricas para países como o Brasil. Aqui, os defensores do modelo respondem que a legislação está sendo cumprida e que o Estado tem o controle, todavia quando
buscamos informações, elas não aparecem. É uma clara perda de autonomia social frente à territorialização da fábrica e dos interesses privados.
Outra situação a ser considerada, é que os impactos são processuais e, às vezes, invisibilizados porque são fruto de outra temporalidade. Há que se ter sensibilidade para entender o drama daquele pequeno camponês que vivia do arrendamento do pasto do fazendeiro no distrito de Arapuá e com a expansão do eucalipto não pode mais contar com esta estratégia, situação que implica crise para sua unidade de produção. Até mesmo médios proprietários têm relatado o fim da atividade de engorda de bovinos, não como opção, mas quase como uma saída inevitável. As propriedades de pecuária têm se tornado “ilhas”, com aumento nos casos de ataques de onças (sem comida nos eucaliptais) sobre os rebanhos. Paralelamente, já começam a ser sentidos os efeitos da quebra na cadeia de produção – os que trabalham apenas com engorda já não têm de quem comprar bezerros na região, uma vez que os antigos fornecedores arrendaram os pastos para o plantio de eucalipto. Assim, é uma espécie de “efeito dominó”.
Termino esta reflexão com a advertência histórica de José Antônio Lutzenberger: “Está
desencadeado o repensar de nossos dogmas. Supostamente “progresso” “desenvolvimento”
significariam mais felicidade para maior número, em um mundo mais sustentável, mais harmônico. O contrário está acontecendo. Em números absolutos, nunca houve tanta miséria, tanta insatisfação,nunca tanta devastação.”
1 Texto publicado no Caderno Especial do jornal do Povo de Três Lagoas, Edição 7, Ano II, Abril de 2012,intitulado: “Radiografia Florestal – um registro do desenvolvimento do eucalipto em Mato Grosso do Sul”. A referida edição, dedicada à expansão do eucalipto-celulose em Três Lagoas, abriu espaço para o contraponto -
materializado no convite para publicação desse artigo.
2 Agradeço a todos que deram sugestões na construção do texto, em especial Mieceslau Kudlavicz e Winnie Overbeek.
PS: “Em memória do prof. Aziz Ab’Saber, timoneiro na luta contra a devastação da natureza – que morreu, mansamente, em sua casa em Cotia/SP, quando eu concluía este texto”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário