"NEM TUDO QUE SE ENFRENTA PODE SER MODIFICADO, MAS NADA PODE SER MODIFICADO ATÉ QUE SEJA ENFRENTADO"

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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Bispos do Brasil divulgam nota em defesa dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais

Segue a nota na íntegra: Em defesa dos territórios e dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais Nós, Bispos do Brasil, reunidos na 50ª Assembleia Geral, reafirmamos nosso compromisso com os povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais populações tradicionais, pelo fortalecimento de suas identidades e organizações próprias, na defesa dos seus territórios, na educação intercultural bilingue dos povos indígenas e na defesa de seus direitos. “A partir dos princípios do Evangelho, apoiamos a denúncia de atitudes contrárias à vida plena em nossos povos de origem e nos comprometemos a prosseguir na obra da evangelização (...), assim como a procurar as aprendizagens educativas e de trabalho com as transformações culturais que isso implica” (cf. DAp 530). A Constituição Federal de 1988, ao confirmar o direito territorial dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, bem como dos pescadores artesanais e outras populações tradicionais, representou muito mais do que a necessária reparação do erro histórico da apropriação de suas terras e da escravidão. É o reconhecimento da sociedade brasileira de que para esses povos a terra e a água são um bem sagrado, que vai além da mera produção para sobrevivência, não se reduzindo à simples mercadoria. É patrimônio coletivo de todo um povo, de seus usos e costumes, assim como a apropriação dos seus frutos. Ao Governo Federal, cabe o dever constitucional de reconhecer, demarcar, homologar e titular os territórios indígenas, quilombolas e das demais populações tradicionais, ressarcindo seus direitos, passo fundamental e determinante para garantir sua sobrevivência. Sem a garantia de acesso à terra, elemento base da cultura e da economia dessas populações, elas continuarão a sofrer opressão, marginalização, exclusão e expulsão, promovidas por empresas depredadoras, pelo turismo, a especulação imobiliária, o agronegócio e pelos projetos governamentais, como as grandes barragens, que têm invadido áreas cultivadas, alterando o ciclo de vida dos rios e provocando o despovoamento de suas margens. Lamentamos profundamente o adiamento dos procedimentos administrativos de demarcação, a invasão e a exploração das terras dos povos tradicionais. Chamamos especial atenção para as condições de confinamento e os assassinatos que vitimam o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Um verdadeiro genocídio está em curso, maculando a imagem de nosso País como defensor dos direitos humanos. Repudiamos, de modo veemente, o ataque desferido pela bancada ruralista e outros segmentos do Congresso Nacional aos direitos dos povos indígenas, consignados em nossa Carta Magna, através de proposta de emenda constitucional, a PEC 215/2000. Em relação às comunidades quilombolas, preocupa-nos a morosidade no reconhecimento dos seus territórios. Rejeitamos a sórdida estratégia de questionar a constitucionalidade do processo de titulação de suas terras, de modo a impedir os trâmites legais que atendam aos seus legítimos anseios. Conclamamos o Governo brasileiro ao cumprimento da Constituição Federal e dos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT; à proteção dos direitos dos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e das demais populações tradicionais, como forma de pagamento da dívida histórica que o Brasil tem com esses povos, demarcando e homologando os seus territórios, impedindo sua invasão, em defesa dos mais pobres e vulneráveis em nosso País. Sob a proteção de Maria, a quem invocamos como Rainha e Padroeira, Nossa Senhora Aparecida, confiamos a proteção do nosso povo que constrói, na fé e esperança, um Brasil verdadeiramente para todos. Aparecida – SP, 23 de abril de 2012 Raymundo Cardeal Damasceno Assis Arcebispo de Aparecida Presidente da CNBB Dom José Belisário da Silva Arcebispo de São Luís do Maranhão – MA Vice-presidente da CNBB Leonardo Ulrich Steiner Bispo Auxiliar de Brasília - DF Secretário Geral da CNBB cnbb

terça-feira, 17 de abril de 2012

NOTA PÚBLICA da COMISSÃO PASTORAL DA TERRA



Comissão Pastoral da Terra – Secretaria Nacional
Assessoria de Comunicação


Que sob a toga dos ministros do STF não se esconda nenhum escravocrata

A Diretoria e Coordenação Nacional da Comissão Past oral da Terra, CPT, às vésperas do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI, 3239, proposta pelo partido dos Democratas, contra o Decreto Federal 4887/2003, vem expressar sua profunda preocupação com o que está acontecendo neste país.
Está em curso uma nova caça aos povos indígenas, comunidades quilombolas, e outras comunidades tradicionais, por um contingente expressivo de escravocratas, que lançam seus tentáculos em diferentes espaços do Estado Brasileiro e tem apoio de diferentes órgãos da imprensa nacional.
Como à época do Brasil Colônia, povos indígenas inteiros foram devastados por não quererem se submeter aos ditames dos invasores; à época da escravidão, os senhores de escravos contavam com toda a estrutura do poder público para perseguir e destruir os espaços de liberdade construídos pelos negros, chamados de quilombos, hoje, novos escravocratas, com voracidade incomum, atentam contra as comunidades indígenas e quilombolas, com ações diretas ou utilizando de trincheiras, assim chamadas legais, para impedir o reconhecimento dos territórios historicamente por elas ocupados.
Sucedem-se os ataques diretos às comunidades indígenas e quilombolas. Os dados coligidos pela CPT nos dão conta que em 2011, foram assassinados 4 indígenas e 4 quilombolas, nas disputas territoriais. 82 conflitos por terra envolveram os índios e 100 os quilombolas. 77 quilombolas e 18 indígenas foram ameaçados de morte e 8 indígenas e 3 quilombolas, sofreram tentativas de assassinato.
No plano dito “legal” são muitas as ações que os novos colonizadores e escravocratas movem contra a continuidade dos processos de identificação e titulação das terras indígenas, e dos territórios quilombolas e de outras comunidades tradicionais. Estas encontram fácil acolhida em diversas instâncias do poder Judiciário.
Mas, possivelmente, é na trincheira do Congresso Nacional que os novos colonizadores e escravocratas têm seus mais firmes tentáculos. Há poucos dias a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda Constitucional, PEC 215, pela qual os parlamentares querem ter exclusividade na demarcação de terras indígenas, de quilombolas e de unidades de conservação ambiental, retirando esta competência do Executivo. Com isso praticamente fica inviabilizado qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas.
O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula que regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das comunidades de quilombos criando mecanismos que facilitam o processo de identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou no partido dos Democratas (um dos últimos resquícios da sustentação parlamentar da ditadura militar) ferrenha oposição. O Decreto que ratificou o estabelecido no Artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”, foi considerado pelos “democratas” (triste contradição), inconstitucional.
Os novos escravocratas se espalham pelo Congresso Nacional, nos mais diversos partidos, tendo constituído a assim chamada Bancada Ruralista. Esta bancada, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), é formada por 159 parlamentares, sendo 141 deputados e 18 senadores. Ela lidera as desastrosas mudanças no Código Florestal e em toda a legislação ambiental; desde 2004, praticamente, impede a última votação da PEC 438 que determina o confisco das áreas onde for constatada a exploração de trabalho escravo; e se opõe a qualquer tentativa de reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e outras.
A ADI 3239, proposta pelos “democratas” vai a julgamento no STF, nos próximos dias. As comunidades quilombolas que saudaram os pequenos avanços no reconhecimento de sua cidadania e de seus direitos expressos no Decreto Federal 4887/2003, não podem ser defraudadas.
A Comissão Pastoral da Terra espera que os ministros do STF julguem esta ação a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana e não se enredem em questões minúsculas de formalidades jurídicas. Está em jogo o direito de populações que historicamente foram discriminadas, massacradas, jogadas à margem da sociedade. É mais que necessário que se garantam os poucos direitos tão duramente conquistados. A CPT quer acreditar que sob a toga dos ministros do STF não se esconde nenhum dos escravocratas atuais.
Goiânia, 16 de abril de 2012.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente da CPT

Maiores Informações:
Cristiane Passos (Assessoria de Comunicação da CPT Nacional) – (62) 4008-6406 /
8111-2890
Antônio Canuto (Assessoria de Comunicação da CPT Nacional) – (62) 4008-6412
www.cptnacional.org.br @cptnacional

EXPANSÃO DO COMPLEXO EUCALIPTO-CELULOSE NO CERRADO E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS CAMPO-CIDADE



Profa. Dra. Rosemeire A Almeida
Prof. MSc. Mieceslau Kudlavicz







RESUMO:

A presente análise busca evidenciar as condicionantes e os desdobramentos socioambientais da expansão do plantio de eucalipto no bioma cerrado, em especial no Estado de Mato Grosso do Sul – atual epicentro do modelo eucalipto-celulose.
A escolha dessa temática de estudo se justifica por ser o cerrado uma área de rápida expansão territorial do plantio de eucalipto aliada a instalação, na atualidade, da maior fábrica de linha contínua celulose-papel. A referida fábrica localiza-se no município de Três Lagoas/MS e pertence a FIBRIA (resultado da fusão das empresas Votorantim Celulose e Papel e Aracruz Celulose, em 2009).
O modelo celulose-papel atua por meio de uma rede do agronegócio que controla a produção, processamento, comercialização e distribuição, via internacionalização do capital. Por sua vez, a fonte de financiamento deste empreendimento é, em grande medida, o erário público, pois a disputa pelos recursos e pelo patrimônio fundiário tem sido vencida pelos mais fortes.
Como destacado, o cerrado sulmatogrossense tem sido a área preferencial de expansão do plantio de eucalipto sob controle das empresas nacionais e internacionais. Atualmente, a área plantada com eucalipto para produção de celulose em Mato Grosso do Sul é de 330 mil hectares, sendo que no período de 2005 a 2008 a expansão da área plantada foi de 83,1%. A projeção do Plano Estadual de Florestas do Estado de Mato Grosso do Sul é que a área plantada com eucalipto atinja 1 milhão de ha até 2020.
Alguns fatores têm determinado essa acelerada expansão territorial do eucalipto em direção ao cerrado, a saber: a presença de água em abundância propiciada pela bacia do rio Paraná; Incentivos fiscais e facilidades creditícias oferecidas na esfera estadual e municipal; Terras de baixo custo fruto da pecuária extensiva com presença de pastagens degradadas; Condições de solo e clima propícias ao crescimento do eucalipto; Flexibilização das leis ambientais por meio de resoluções que dispensam de licenciamento ambiental as atividades de plantio de eucalipto; Ausência de uma política de Reforma Agrária na região.
Enfim, neste tipo de negócio do eucalipto-celulose temos que pensar que estamos lidando com duas atividades impactantes, uma é a monocultura e a outra é a fábrica que extrai a celulose e faz o branqueamento. O primeiro caso é visível e por isso alvo de amplas discussões, mas a fábrica em si, uma vez aprovado o RIMA, cai no esquecimento até que alguma situação escape ao controle – como foi o caso do mau cheiro em Três Lagoas em 2009. Ou seja, o monitoramento da fábrica cabe aos de “dentro”. O que conhecemos hoje sobre o ar, o solo, a água, o tratamento dos efluentes oriundos do processo de branqueamento da celulose? Quase nada. Inclusive, em outros Estados, as informações também são escassas. O que sabemos é que nos países chamados “desenvolvidos” do Norte, com um controle ambiental bastante rigoroso, fábricas de celulose são mal vistas por seus graves impactos ambientais e, portanto, as empresas de lá têm transferido suas fábricas para países como o Brasil. Aqui, os defensores do modelo respondem que a legislação está sendo cumprida e que o Estado tem o controle, todavia quando buscamos informações, elas não aparecem. É uma clara perda de autonomia social frente à territorialização da fábrica e dos interesses privados.

COMPLEXO CELULOSE-PAPEL: a quem beneficia?1











Rosemeire A. Almeida2. Profa. Dra. dos cursos da graduação e pós em Geografia da UFMS/Campus de Três Lagoas. Autora do livro “ (Re)criação do campesinato, identidade
e distinção”, pela editora Unesp, dentre outras publicações.



Analisar criticamente as mudanças que ocorrem nos últimos anos na microrregião de Três Lagoas/MS tem se tornado um imperativo, em especial àqueles que vivem e pesquisam esta realidade.
Portanto, é deste lugar social que escrevo e, mais, a motivação não advém do clamor dos holofotes,muito menos de um exercício vocacional de ser do grupo dos “contra”. Antes não fosse necessário o embate. Mas a cada dia cresce a compreensão de que o caminho do “progresso” e “desenvolvimento”adotado aqui é um equívoco, logo é urgente democratizar o debate do futuro da região.
Celso Furtado (1998) já alertava que o estilo de vida criado pelo capitalismo industrial sempre será o privilégio de uma minoria, pois “o custo em termos de depredação do mundo físico desse estilo de vida é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização”. Para o autor, desenvolvimento econômico é um mito cuja funcionalidade é criar um imaginário coletivo centrado na ideia de que todos serão beneficiados pelo desenvolvimento do capital, situação que leva os povos a aceitar sacrifícios que incluem formas de dependência e de destruição do meio físico.
Atualmente há autores como Sachs (2000) que ressaltam como positiva a não generalização do exemplo industrial. Em suas palavras as chamadas sociedades “avançadas” em breve serão consideradas aberrações, uma vez que para seguir o modelo “seriam hoje necessários uns cinco ou seis planetas para serem usados como minas, ou como depósito de lixo”.
Guardadas essas prerrogativas, voltemos nosso olhar para o caso da eucaliptização da
microrregião de Três Lagoas. Pois bem, a expansão do eucalipto nesta região vem acompanhada de um discurso de que temos vocação para o eucalipto, situação que se “descobriu” a partir do zoneamento econômico feito pelo Estado.
Ora, primeiramente, é preciso lembrar que se há vocação é para o cerrado. Mas central é dizer que esta explicação é parcial, nela falta agregar questões de fundo como a marcha predatória deste tipo de atividade que se desloca pelo território brasileiro em busca de espaços menos conflitivos, uma vez que por onde passa deixa impactos em virtude do modelo de larga escala, mecanizado e centralizado como ocorreu no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Bahia.
Apesar disso, o BNDES é financiador e empreendedor do setor florestal. Sem sua generosa participação o “sucesso” do complexo celulose-papel não se viabilizaria. A velocidade do processo também é temerária. Vejamos uma comparação a título de identificação de prioridades: enquanto a Reforma Agrária no MS conseguiu em 26 anos conquistar 686.261,71 ha, em quatro anos um dos complexos já detém em terras próprias e arrendadas algo entorno de 400.000 ha.



Temos o caso recente da fazenda Cisalpina arrendada para plantio de eucalipto. Esta fazenda representou uma luta histórica dos sem-terra da região, chegou a ser considerada improdutiva, mas, por erros supostamente técnicos por parte do Estado, os trabalhadores perderam. Esta situação pode ser termômetro de que o discurso do setor florestal de recuperação de terras degradadas tira de foco o fato
de que uma parte considerável dessas terras é improdutiva. E, portanto, o caminho poderia ser desapropriação por interesse social, dando espaço para a construção de um modelo centrado no uso de pouco capital, pouca terra e pouca energia inanimada. Porém, a defesa deste modelo é ignorada pelo establishment ou, então, desperta risos.
Outra situação emblemática é o Parque Municipal do Pombo que continua sem plano de manejo, planejamento este que poderia delimitar uma área de amortecimento. Assistimos o “futuro entregue”, pois as fazendas existentes nas proximidades, em grande maioria estão sendo arrendadas para o eucalipto antes do plano de manejo sair do papel, significando, por exemplo, a contaminação dos recursos hídricos deste parque pelas aplicações de agrotóxicos nos eucaliptais.
É imperativo destacar que o principio básico da monocultura é a simplificação do ambiente. A questão da escala é apenas o aspecto visível de sua sustentação econômica – e o mais grave, e é justamente por causa desta lógica expansível que é fundamental defender o limite de cultivo. E, mais, defender um zoneamento que ouça os pesquisadores e o povo no campo e na cidade no sentido de estabelecer limites, indicando onde se deve recuperar o cerrado para garantir no futuro a sobrevivência
da região em termos das funções importantes que a vegetação nativa cumpre.
Sabe-se que aos questionadores do “status quo”, recai sempre o ônus de ter que apresentar saídas. É a velha armadilha de que para criticar é necessário ter alternativa pronta. Ora, o início da construção do novo vem da compreensão daquilo que não queremos. Então, o exercício do questionamento é parte do processo. Todavia, mesmo sem ter a solução concluída, há caminhos – que também não são novos - menos impactantes e que carecem de apoio. Um deles é a implantação da Reforma Agrária e a implementação da Agricultura Familiar. Digo isso porque os camponeses são
capazes de produzir comida saudável e este reconhecimento hoje não é apenas dos intelectuais próximos à causa ou da Via Campesina, mas dos governos capitalistas centrais, e é por isso que estão vivendo a recamponização na Europa.
Não me refiro a esse modelo de contrarreforma feito no Brasil que beira o desrespeito à condição humana. Refiro-me a um plano setorial estratégico pautado na compra e doação simultânea de comida e na manutenção de estoques reguladores - ambas as medidas gerenciadas pelo Estado.
Esta alternativa claramente não é a adotada pelo Estado, já que, por exemplo, em 2011a Eldorado Florestal acessou junto ao BNDES R$ 2,7 Bilhões, enquanto o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar/PAA contou com orçamento anual de R$ 502,57 Milhões. E quando analisamos os dados oficiais do PAA para o MS a situação não deixa dúvidas sobre a crise do programa. A participação do Estado ficou em 2% do montante nacional, e no caso dos municípios da microrregião de Três Lagoas, sequer um centavo foi gerado no PAA. Em relação ao Programa Nacional de Alimentação
Escolar/PNAE, que obriga o uso de no mínimo 30% dos recursos destinados à merenda escolar na aquisição de produtos da agricultura familiar, não é diferente. O município não conseguiu utilizar os recursos como prevê a Lei - segundo informações do CMDR. E o ônus tem recaído sobre os camponeses, na costumeira tradição de afirmar que nesta região os pequenos não produzem ou que a terra é estéril. É salutar um olhar clínico no sentido de entender os gargalos, pois caminhamos a passos
largos para a sobreposição de um uso da terra (o eucalipto) em relação a outros modelos.
Outra questão que ajuda o discurso do desenvolvimento, é que o complexo celulose-papel é gerador de riqueza, o que produz uma percepção que molda e conforta a sociedade, mas essa riqueza é concentrada. Obviamente, há sobras, porém, elas não são a lógica do sistema. A lógica é generalizar os passivos ambientais e os problemas advindos do crescimento acelerado da cidade. Daí a necessidade de organização da sociedade, e de um estado regulador e fiscalizador.
Neste caminho de implantação do complexo celulose-papel se tem construído um discurso por parte das empresas pautado na naturalização do processo e o alvo tem sido a educação das crianças,via apoio do Estado por meio das secretarias municipais de educação. Esta é uma forma de o complexo celulose-papel moldar uma “cultura do eucalipto” através de ações construindo ou invertendo conceitos.
Alguns exemplos bem ilustrativos: o conceito de monocultura substituído por floresta; o corte mecanizado do eucalipto virou colheita (quase uma reserva extrativista); fábrica é site; problemas urbanos são a “dor do crescimento”, etc.
A introdução desta linguagem nada tem de neutra, há uma intencionalidade. São estratégias que buscam biologizar as mudanças que estão sendo introduzidas no nosso cotidiano, e este imaginário cria uma situação de conformidade porque na biologia crescimento e desenvolvimento são processos naturais. Então, naturalmente ninguém pode estar contra o desenvolvimento/progresso. Mas não é este o caso, o que acontece aqui nada tem de natural, é doutrina econômica cujo centro motivador é o
mercado capitalista e precisa de fiscalização e limite. O mesmo vai ocorrer com o evento “Três Lagoas Florestal” – que será realizado de 10 a 13/04/2012 em Três Lagoas, pois o objetivo maior é indicar à sociedade que esse modelo é o símbolo do progresso, e isso se mostra no capitalismo por meio dos ícones da riqueza, dos números astronômicos, das vantagens. Mas quando olhamos os patrocinadores
e expositores do evento temos uma ideia aproximada de que se trata de uma parceria estadoempresas-consultores-fornecedores de insumos e tecnologia-instituições de capacitação profissional.
Enfim, são estes os interessados e beneficiados do negócio.
Estas questões são parte de um pacote em que o setor aparece como “verde”, logo como
“solução” para a crise climática e ambiental. Este discurso tenta agora se aproximar da “Rio+20”(prevista para junho de 2012), partindo da prerrogativa de que as plantações de eucalipto oferecem serviços ambientais”. O mais cobiçado é o mercado do “crédito de carbono”, ou seja, a venda da ideia de que suas plantações absorvem carbono – mesmo sendo as monoculturas alvo de um manejo agrícola convencional com aplicação de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Ou seja, nesta conta da “economia verde”, não aparece o fato do complexo gastar enormes quantidades de combustíveis fósseis em toda sua cadeia produtiva, desde a produção de máquinas e tecnologia na Europa, sua exportação e, mais tarde, a importação de celulose para um consumo excessivo. A proposta de economia verde, nesse sentido, é acumular mais capital, e não repensar o modelo de produção e consumo responsável pela crise climática.
Quando se analisa os capitais por trás destas empresas, nota-se que não se trata apenas de investimento em uma atividade produtiva. É também investimento financeiro de pessoas e grupos interessados em maximizar lucros, inclusive no mercado especulativo. Exemplar desta situação foi o caso da Aracruz que perdeu R$ 2 bilhões na crise financeira de 2008 com a desvalorização do dólar sobre vendas futuras. Esta financeirização da economia e da natureza tem sido a pedra de toque das recentes quebras do capitalismo. Isso leva à pergunta: quem de fato se beneficia da expansão do eucalipto?
Neste tipo de negócio temos que pensar que estamos lidando com duas atividades impactantes,uma é a monocultura e a outra é a fábrica que extrai a celulose e faz o branqueamento. O primeiro caso é visível e por isso alvo de amplas discussões, mas a fábrica em si, uma vez aprovado o RIMA, cai no esquecimento até que alguma situação escape ao controle – como foi o caso do mau cheiro em Três Lagoas em 2009. Ou seja, o monitoramento da fábrica cabe aos de “dentro”. O que conhecemos hoje sobre o ar, o solo, a água, o tratamento dos efluentes oriundos do processo de branqueamento da
celulose? Quase nada. Inclusive, em outros Estados, as informações também são escassas. O que sabemos é que nos países chamados “desenvolvidos” do Norte, com um controle ambiental bastante rigoroso, fábricas de celulose são mal vistas por seus graves impactos ambientais e, portanto, as empresas de lá têm transferido suas fábricas para países como o Brasil. Aqui, os defensores do modelo respondem que a legislação está sendo cumprida e que o Estado tem o controle, todavia quando
buscamos informações, elas não aparecem. É uma clara perda de autonomia social frente à territorialização da fábrica e dos interesses privados.
Outra situação a ser considerada, é que os impactos são processuais e, às vezes, invisibilizados porque são fruto de outra temporalidade. Há que se ter sensibilidade para entender o drama daquele pequeno camponês que vivia do arrendamento do pasto do fazendeiro no distrito de Arapuá e com a expansão do eucalipto não pode mais contar com esta estratégia, situação que implica crise para sua unidade de produção. Até mesmo médios proprietários têm relatado o fim da atividade de engorda de bovinos, não como opção, mas quase como uma saída inevitável. As propriedades de pecuária têm se tornado “ilhas”, com aumento nos casos de ataques de onças (sem comida nos eucaliptais) sobre os rebanhos. Paralelamente, já começam a ser sentidos os efeitos da quebra na cadeia de produção – os que trabalham apenas com engorda já não têm de quem comprar bezerros na região, uma vez que os antigos fornecedores arrendaram os pastos para o plantio de eucalipto. Assim, é uma espécie de “efeito dominó”.
Termino esta reflexão com a advertência histórica de José Antônio Lutzenberger: “Está
desencadeado o repensar de nossos dogmas. Supostamente “progresso” “desenvolvimento”
significariam mais felicidade para maior número, em um mundo mais sustentável, mais harmônico. O contrário está acontecendo. Em números absolutos, nunca houve tanta miséria, tanta insatisfação,nunca tanta devastação.”
1 Texto publicado no Caderno Especial do jornal do Povo de Três Lagoas, Edição 7, Ano II, Abril de 2012,intitulado: “Radiografia Florestal – um registro do desenvolvimento do eucalipto em Mato Grosso do Sul”. A referida edição, dedicada à expansão do eucalipto-celulose em Três Lagoas, abriu espaço para o contraponto -
materializado no convite para publicação desse artigo.
2 Agradeço a todos que deram sugestões na construção do texto, em especial Mieceslau Kudlavicz e Winnie Overbeek.
PS: “Em memória do prof. Aziz Ab’Saber, timoneiro na luta contra a devastação da natureza – que morreu, mansamente, em sua casa em Cotia/SP, quando eu concluía este texto”.

Meio Ambiente e Consumo Sustentável na Saude Pública


Patrícia Mara da Silva
Advogada, Juíza leiga no Juizado Especial, Professora de Direito do Consumidor, Especialista em Direito Administrativo com ênfase em gestão pública. Pós-graduada em Direitos Difusos e Coletivos. Vice-Presidente da ABCCON-MS
Patriciaconsumidor@gmail.com
http//patriciaconsumidor.blogspot.com

O círculo de palestras sobre Meio Ambiente e Saúde, promovido pela CRJP/MS começou com a exposição da Dra. Patrícia Mara da Silva*, que mostrou a situação do Brasil quanto ao meio ambiente e saúde, desde os tempos do descobrimento: aqui é o paraíso, por suas belezas naturais, água pura, clima ameno, índio forte e robusto.
Aos poucos a visão do colonizador passou de paraíso a inferno, em razão dos conflitos, das dificuldades materiais, das enfermidades.
A população recorria ao curandeirismo, a práticas supersticiosas ou, quando havia condições econômicas, ao auxílio do boticário – dono de uma precária loja de venda de remédios.
Nada disso era solução para as doenças infecciosas que começaram a se manifestar como epidemias: varíola, febre amarela, cólera e outras.
Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, o Rio de Janeiro tornou-se o centro das ações sanitárias. È quase inacreditável imaginar que na época em todo o Brasil havia apenas 6 médicos formados.
Atribuía-se o grande número de enfermidades aos “miasmas” (vapor ou emanação malcheirosa, exalada por matéria orgânica em decomposição), decorrentes da falta de higiene e poluição. Por isso uma recomendação comum era mudar-se para a região serrana, onde o ar e as águas eram mais puros.
Quando algumas instituições de caridade tomaram a iniciativa de construir hospitais, a população encarava essa necessidade como uma declaração antecipada da morte, dada a falta de higiene, de remédios eficazes e a convivência com pacientes das mais diversas doenças.
Com a proclamação da república esperava-se que a situação melhorasse, considerando o desenvolvimento da medicina moderna, o aprimoramento dos estudos de bacteriologia e fisiologia. Começou-se a pensar em prevenção. Mas o fim do século XIX foi marcado por novas epidemias: peste bubônica, tifo, tuberculose.

Ações públicas que marcam o início da política de saúde brasileira
A partir de então, apesar das dificuldades, já se tomavam algumas medidas para antecipar-se às epidemias: retificação do leito dos rios para evitar enchentes, drenagem dos pântanos, destruição de viveiros de ratos e insetos; isolamento de pacientes com doenças contagiosas; hospitalização compulsória.
A riqueza do café provoca o aumento da população urbana e surgem os primeiros laboratórios de pesquisa, institutos que se transformaram no Instituto Butantã e Pasteur, em São Paulo, e Manguinhos, atual Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
Não havia nenhum cuidado dirigido às populações rurais. A reforma urbanística e sanitária restringia-se ao centro econômico do Brasil: demolição dos cortiços; inspeção sanitária; terraplenagem de morros. Em contrapartida, o povo, despreparado, reagiu com a Revolta da Vacina (1904), desacreditando de seus efeitos.
Na chamada era Vargas – Estado Novo, foi criado o Ministério da Educação e Saúde, centralização na busca de controle federal dos serviços; ampliou-se o tratamento de enfermidades específicas (lepra, tracoma, ancilostomose), mas pouca atenção foi dada para outras enfermidades como tuberculose e doenças da infância, ou atendimento de mulheres grávidas.


Na década de 60 a questão da saúde foi marcada por pressões do setor privado para interrupção de planos de construção de hospitais públicos e pleito por doações e empréstimos a juros baixos para que depois os serviços fossem vendidos à população. Houve expansão dos sistemas de saneamento básico e avanço do debate sobre a melhoria das condições de vida do povo.
Com a implantação da ditadura militar instalou-se a tecnocracia (política pública baseada somente em aspectos sociais e políticos), a falsa ilusão de desenvolvimento social e a redução de verbas para o Ministério da Saúde. Nessa época houve pouco investimento em abastecimento e saneamento; havia uma visão da saúde como elemento individual e não como fenômeno coletivo em decorrência do repasse de verbas para o setor privado.
Em 1966 foi criado o INPS, então subordinado ao Ministério do Trabalho, com a função de atender os doentes, porque davam prejuízo aos empresários.
De acordo com a Constituição Federal de 1967, o Estado deveria apoiar as atividades privadas (a atividade do governo seria complementar). Foi uma época marcada por fraudes e corrupção. As empresas deixavam de pagar a cota previdenciária em troca de prestarem assistência médica a seus empregados, através de uma medicina de grupo.
Em 1974 é criado o Ministério da Previdência Social. A mentalidade reinante no governo era de incentivo ao ingresso de capital estrangeiro na saúde privada, à indústria farmacêutica e venda indiscriminada de novas drogas (de eficiência duvidosa e/ou proibidas em outros países)
Então fortaleciam-se os movimentos populares de saúde, por iniciativa de padres, médicos e sanitaristas.

O Sistema único de Saúde – SUS, criado pela Constituição Federal de 1988, é formado por várias instituições dos três níveis de governo, com as seguintes características: único, universal, integral, garantia de equidade, descentralizado, regionalizado e hierarquizado, participação do setor privado, racionalidade, eficiente, participação popular.

Conceitos fundamentais

Segundo Edward Amory (1920-EUA) “Saúde pública é a arte e a ciência de prevenir a doença, prolongar a vida, promover a saúde e a eficiência física e mental mediante o esforço organizado da comunidade. Abrangendo o saneamento do meio, o controle das infecções, a educação dos indivíduos nos princípios de higiene pessoal, a organização de serviços médicos e de enfermagem para diagnóstico precoce e pronto atendimento das doenças e o desenvolvimento de uma estrutura social que assegure a cada indivíduo na sociedade um padrão de vida adequado à manutenção da saúde.”

A Constituição Federal de 1988, no título VIII trata do gênero ordem social, dividido em 3 espécies (Seguridade, Saúde e Previdência Social), definindo saúde como: “Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196).

MEIO AMBIENTE - Conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas”. (Conf. Meio Ambiente – 1972)


SANEAMENTO BÁSICO - Procedimentos que visam proporcionar uma situação higiênica saudável para os habitantes. Ex: tratamento de água, canalização e tratamento de esgoto, limpeza pública, coleta e tratamento de resíduos e materiais, drenagem urbana, controle de vetores

CONSUMO SUSTENTÁVEL - Conjunto de práticas relacionadas à aquisição de produtos e serviços que visam diminuir os impactos no meio ambiente. São atitudes positivas que preservam os recursos naturais, mantendo o equilíbrio em nosso planeta. São práticas relacionadas a diminuição da poluição, inventivo à reciclagem e eliminação do desperdício

Segundo diagnóstico da ONU, em 2012, houve aumento do nível de acesso a água tratada no Brasil, porém, como nosso país tem um vasto território, há regiões em que não houve nenhum progresso, ou seja, em determinados locais não houve aumento no número de ligações à rede de abastecimento de água.

Consumo sustentável e Saúde

A proteção ao consumidor atinge quatro realidades: Vida, Saúde, Segurança e Patrimônio. Tem como tripé do consumo ético o respeito ao consumidor; respeito ao meio ambiente e respeito ao trabalhador.

PRÁTICAS DE CONSUMO SUSTENTÁVEL QUE MELHORAM A SAÚDE
- Reciclagem;
- Compostagem;
- Uso de sacolas ecológicas;
- Evitar ou reduzir alimentos industrializados;
- Não jogar óleo na pia;
- Separar o lixo;
- Substituir o transporte individual pelo coletivo ou, andar de bicicleta.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A SAÚDE
Alimentação; Educação; Cultura; Saneamento básico; Transportes; Clima e Relevo.


Propostas e orientações
- Os projetos de saneamento devem ter abordagem ambiental (promover saúde e conservação do meio);
- Ênfase na política de proteção dos recursos hídricos, e na implementação da lei 12.305/10 que instituiu a política nacional de resíduos sólidos;
- Avaliação das atividades de saneamento;
- A concepção de que a implementação do sistema de abastecimento de esgotamento devem ser agregados a políticas sócio-econômicas;
- Garantir políticas sociais e econômicas que visem à redução de doenças e outros agravos;
- Fiscalização eficiente nos diversos setores com atuação macro das agências (ANVISA, ANA, ANS,...);
- Ampla divulgação e estímulo à participação da população nos espaços públicos de controle social (Conselhos, Conferências,...);
- Preparar os serviços de saúde para que usem mecanismos de compensação dos problemas de caráter social;
- Promoção da educação para a saúde conectada com práticas de consumo sustentável;

- Sabemos que o saneamento diminui significativamente infecções. Nesta área, Campo Grande apresenta índices bastante satisfatórios, com 99% de acesso à rede de abastecimento e mais de 60% de cobertura de esgoto. Redução de 20% das doenças causadas por água contaminada.
- Quanto à coleta seletiva, ainda não houve êxito.
- Recomenda-se gestão ambiental para redução dos impactos.
- Investimento em educação para o consumo sustentável e prevenção.

Após a palestra, os participantes reuniram-se em grupo e contribuíram informando quais os principais problemas de saúde e meio ambiente que enfrentam nas suas cidades: destinação do lixo, falta de locais para coleta seletiva e usinas de reciclagem; problemas de infestação de insetos; saneamento básico; falta de atendimento de saúde nos assentamentos; uso indiscriminado de agrotóxicos; falta de participação da sociedade civil organizada e movimentos sociais nos espaços de decisão política; política de incentivo à produção de alimentos orgânicos; apoio à área rural para melhorar atendimento médico.
Dr. William Carvalho, representante de Águas Guariroba, divulgou que a empresa realiza reuniões com as lideranças comunitárias para tratar de questões relativas à qualidade da água. Afirma que a água fornecida à população em Campo Grande é de ótima qualidade e que, muitas vezes a contaminação se dá pela falta de cuidados com a caixa d’água. Informou que o agendamento de reuniões com as lideranças pode ser feito pelo telefone 9294-7843.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Atenção à saúde dos povos indígenas





PALESTRA DO DR. RUI ARANTES*em 14 de abril de 2012

Depois de breve introdução mostrando as principais fases do contato dos não índios com os habitantes nativos do Brasil, Dr. Rui Arantes apresentou os impactos causados por esses contatos na saúde dos indígenas: novos agentes de infecção, epidemias, mudanças demográficas em razão de mortes em massa, desestruturação social, perda de território, desestabilização econômica, modificações nos padrões alimentares, transformações culturais e ambientais, comprometendo a sustentabilidade.
As doenças infecciosas antes desconhecidas dos indígenas e para as quais eles não tinham recursos naturais para tratar provocaram uma expressiva diminuição da população a partir do século XIX e por isso passou-se a considerar a possibilidade de extinção da população, que, estimada por alguns estudiosos em 3 a 5 milhões, chegou a ser de apenas 100 mil na década de 50 do século XX. A partir de então começou a reverter esse índice demográfico, sendo dado pelo IBGE no censo de 2000, um número de 750 mil índios, distribuídos em 233 grupos indígenas diferentes que se expressam através de 180 línguas indígenas, nos diferentes recantos do Brasil.
Características das sociedades indígenas atuais, segundo dados do Instituto Socioambiental em 2000:
 “microssociedades”
 50% têm uma população de até 500 pessoas,
 40% de 500 a 5 mil;
 9% de 5 mil a 20 mil;
 e apenas 0,4% (9 grupos) com mais de 20 mil pessoas.




No decorrer da história houve mudanças no tratamento dado aos indígenas pela legislação brasileira.
A princípio excluídos da convivência social e da participação política, os índios foram sendo ignorados pela sociedade, pois eram considerados incapazes. Havia então uma política de assimilação: eles deviam assimilar os costumes e exigências da sociedade urbana e, pela integração, fadados ao desaparecimento. O Estatuto do índio data de 1973 e continua a considerá-lo incapaz, necessitado de tutela.
A partir da década de 1980, ocorrem mudanças substancias nas bases ideológicas das políticas públicas voltadas para os povos indígenas.
A Constituição Federal de 1988 rompe com essa tendência assimilacionista e institui no país o Estado Pluriétnico. Em seu Capítulo VIII, Dos índios, o Artigo 231 determina:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (Brasil, 1988).

Podem ser considerados marcos da evolução do respeito aos indígenas no Brasil:
 1910 – criação do SPI – Serviço de Proteção ao Índio – integração progressiva
 1956 – SUSA –Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas – Noel Nutels – serviços assistencias à população rural e indígenas
 1967 – criação da FUNAI - assistência à saúde através de EVS
Nos anos 1980-1990 a instabilidade Política na FUNAI, provoca a desassistência, pois não há uma política de saúde para as populações indígenas no Brasil:
 1992 – 9ª CNS –Aprova o modelo de atenção à saúde indígena – através de um subsistema do SUS.
A elaboração de uma política de saúde indígena começa em meados da década de 1980. (8ª CNS e 1ª CNSI)
A aprovação da Lei Arouca (Lei n.983/ 1999) estabeleceu o Subsistema de Saúde Indígena, que cria regras de atendimento diferenciado e adaptado às peculiaridades sociais e geográficas de cada região.

A partir de 1999 começa a ser implementada a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, que reconhece a diversidade social e cultural dos Povos Indígenas; preconiza o “respeito às concepções, valores e práticas relativos ao processo saúde-doença próprios de cada sociedade indígena e seus diversos especialistas” (PNASI, p.18); preconiza uma articulação entre os sistemas médicos (indígenas e biomédicos); inaugura a concepção de um modelo complementar e diferenciado de organização dos serviços que garanta aos índios o exercício de sua cidadania; transfere a competência da Saúde Indígena da FUNASA para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, ligada ao MS.


Subsistema de Saúde Indígena
 MODELO ORGANIZACIONAL
DSEI – Distritos Sanitários Especiais Indígenas
É um espaço etnocultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado.
DSEI contempla um conjunto de atividades técnico-administrativas promovendo a reordenação dos serviços de saúde e das práticas sanitárias, com controle social.
34 DSEI no Brasil
351 Pólos Base

DSEI – organiza uma rede de serviços de saúde dentro do seu território.

Pólos-base – cobrem um conjunto de aldeias, e estão estruturados como unidades básicas de saúde e contam com a atuação de uma equipe multidisciplinar de saúde indígena com médico, dentista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem. Esta equipe, além de prestar assistência, deve realizar o treinamento e capacitação dos agentes indígenas de saúde.

Casa de Saúde do Índio - integram a rede de referência do subsistema com a finalidade de abrigar e cuidar dos pacientes que estão em tratamento fora da aldeia.



Organização em MS
 75 aldeias
 15 Pólos-Base
 33 EMSI
 71 Postos de Saúde
 29 municípios
 Incentivos para Atenção Básica e Especializada dos Povos Indígenas (IAB-PI e IAE-PI)

Considerações finais
A implantação do Subsistema de Saúde indígena trouxe maior aporte de recursos financeiros e humanos para a atenção à saúde dos Povos Indígenas.
A criação do Subsistema de Saúde Indígena é um avanço significativo na Atenção da Saúde dos Povos Indígenas, mas assim como o SUS, é um processo em construção que deve ter participação de todos os atores envolvidos, usuários, setor público, prestadores de serviços, etc..
Está em tramitação no Congresso um novo texto sobre o Estatuto dos Povos Indígenas.

Na conclusão dos trabalhos os membros da CRJP renovaram seus compromissos de empenhar-se no combate às injustiças e efetiva ação para eliminar da realidade toda forma que provoca agressão aos direitos humanos, pois o centro de um mundo sustentável é o ser humano.


* DR. RUI ARANTES é odontólogo, com mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Crus (FIOCRUZ) e desenvolve projetos de promoção e pesquisa epidemiológica e de saúde dos povos indígenas.

domingo, 15 de abril de 2012

Circulo de palestras da CRJP


Realizou-se nos dias 13 e 14 passados, no auditório do ITEO, Círculo de palestras com a temática Meio Ambiente e Saúde, promovido pela Comissão Regional de Justiça e Paz do Mato Grosso do Sul.
A abertura na sexta-feira à noite, dia 13, contou com a participação de mais de 40 pessoas, principalmente lideranças dos assentamentos da forania rural e dos quilombolas, membros de pastorais e movimentos sociais da arquidiocese de Campo Grande. A palestrante da noite, Dra. Patrícia Mara da Silva, advogada e professora da UFMS, tratou do tema Influências do meio ambiente e consumo sustentável na saúde pública. Após exposição do panorama histórico da saúde pública no Brasil desde o tempo da colônia, a assessora passou a tratar da questão da saúde nos dias atuais. Os participantes se organizaram em grupos de debate e apresentaram suas propostas diante da realidade, testemunhando seu empenho na luta pela superação das dificuldades enfrentadas na transformação da mentalidade de que a saúde é pensada mais como cura de doenças e pouco como atitude preventiva.
No sábado, 14, os palestrantes da manhã foram Prof. Dra. Rosemeire de Almeida e MCs Miecesslau Kudlavicz, professores da UFMS/Três Lagoas que apresentaram uma leitura crítica da realidade de Mato Grosso do Sul diante dos impactos da monocultura do eucalipto e a disputa de projetos que favorecem a vida e os que favorecem o lucro das grandes empresas que se estabelecem no estado. Apesar do quadro de caos que se identifica em razão da destruição progressiva do cerrado pela ação das fábricas de celulose, os palestrantes apontaram para uma visão de esperança, pela possibilidade de uma reversão por meio de enfrentamento coletivo. Ao final da palestra a secretária executiva da CRJP adiantou que Três Lagoas provavelmente será o próximo local para instalação de novo Círculo de Palestras.
À tarde Dr. Rui Arantes, doutor em Saúde Pública pela FIOCRUZ e com longa atuação em pesquisas entre os povos indígenas, abordou o tema Políticas de atenção à saúde dos povos indígenas. O assessor mostrou quadros da evolução da atenção dada aos indígenas e apontou para os esforços e as limitações do cuidado público para a população de 75 aldeias existentes no estado, feito por 33 equipes que integram o Subsistema do SUS em MS.
Os momentos inicias de cada dia foram marcados pela reflexão e oração inspirada em textos dos profetas e salmos que denunciam as injustiças e anunciam a a esperança fundada nas promessas do Senhor.